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Prof. Denio Azevedo 

 Na noite passada tive um “Sonho Surrealista”, daqueles bem parecidos com os de Mallet. A emoção foi tamanha, a ponto de chorar lágrimas em formato de caju. Sonhei que J. Inácio me convidava para uma tanto quanto desafiadora viagem. A ideia era percorrer algumas capitais brasileiras andando a cavalo. Parecia “A Viagem de Dom Quixote”. Ele acompanhado de seu cavalo Rocinante e eu era uma espécie de Sancho Pança. Como não lembrar do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, do farol da Barra de Salvador, das conchas do complexo arquitetônico do Congresso Nacional de Brasília e os cajus de Aracaju. Aliás, que experiência marcante tivemos na capital de Sergipe.

Título: A Viagem de Dom Quixote
Artista: J. Inácio

 Assim que chegamos na CajuCidade, maneira como o nosso guia de turismo, um profissional chamado Fábio Sampaio, apelidava carinhosamente Aracaju. Fomos convencidos a realizar um roteiro de turismo criativo, elaborado em parceria com as/os profissionais da Galeria de Arte Álvaro Santos, denominado “Cajuístas”. A ideia era conhecer artistas que eram adeptos(as) do caju como um dos principais elementos simbólicos e identitários dos(as) residentes em Aracaju. Para estes, o caju é o grande elemento de representação cultural e estético da capital sergipana. Foi aí que Fábio Sampaio iniciou o seu guiamento apresentando “Fruto da Terra” que serviu como uma bússola para o nosso percurso.  
 Ficamos hospedados no Caju Villa Hostel e Bistrô, no bairro Atalaia. Logo na entrada uma árvore fazia a recepção. Foi o cajueiro mais bonito e colorido que já vi, carregado de “Cajus em Cachos de Crochê”. Cada um no seu devido lugar. Logo pensei: “a natureza está imitando Hortência Barreto, só pode”. No hall, “Caju”, a tapeçaria espetacular de François Hoald e D. Argel. Ao adentrar o quarto logo me deparei com uma cor encantadora, uma espécie de Lícia Violeta. Não tinha como negar, Tita transformou aquele ambiente com a sua arte.
    Antes de sair, fizemos as nossas orações para a “Deusa Acayú”, convidamos Ana Caru para o nosso café da manhã e iniciamos o nosso trajeto. Percorremos toda a extensão da orla de Atalaia até nos depararmos com duas crianças tímidas, de “Cabeça Chata”, escondidos atrás de um Caju enorme, confeccionado por Eurico Luiz. Eles queriam andar a cavalo. Ficaram encantados com Rocinante. J. Inácio logo desceu da sua montaria e permitiu que as crianças desfilassem pelas “Ruas de Ará ”.

Título: Cabeça Chata
Artista: Eurico Luiz 

 Decidimos almoçar no João do Alho. Sentamos, pedimos uma moqueca de cação, uma dose de cachaça Reserva do Barão e umas rodelas de caju com sal. Na mesa ao lado, Jean Carlo estava ouvindo pela primeira vez “Aracaju”, sendo cantada pelo próprio Caetano Veloso, que era um frequentador assíduo do restaurante. Jean e Caetano são amigos até hoje. Pense numa dupla! Antes da refeição, lembramos da dose do santo e fizemos as nossas orações de agradecimento para o “Sagrado Coração de Caetano”. Pedimos um doce de caju de sobremesa e seguimos o nosso roteiro.

 
Título: Sagrado Coração de Caetano
Artista: Jean Carlo

 Nos mercados centrais paramos os animais embaixo de um “Cajueiro”. Encontramos Taíme Gouvêa. Ela nos apresentou toda a diversidade de cores, cheiros e sabores do espaço. Eram corredores de “Balaios de Caju”, com um colorido incrível, parecia que os mercados tinham sido pintados com a delicadeza do lápis de cor de Aline Viana. 

 Percorrer os corredores dos mercados centrais de Aracaju nos levava a reflexões sobre o processo cotidiano de sobrevivência do “Povo Brasileiro”. Paramos para comer um beijú com café e encontramos Nivaldo Oliveira. Com ele refletimos sobre a importância e relevância das mulheres nesse processo de subsistência das famílias brasileiras e sobre o esquecimento da herança cultural dos povos originários na nossa formação e na relação destes com a natureza. Como a população brasileira possui uma dívida enorme com esses grupos sociais e com as mulheres. Nivaldo Oliveira estava apressado, precisava logo retornar ao seu ateliê na cidade de São Cristóvão. 
 
Título: Povo Brasileiro
Artista: Nivaldo Oliveira

J. Inácio disse: “preciso comprar um presente para Jordão de Oliveira”. Fomos até o setor de artesanato e lá ele comprou uma linda obra em cerâmica, intitulada “Caju”, elaborada por Ismael Pereira. Em direção aos estacionamentos dos mercados centrais escutamos um forró e os passos de Priquitinhas em um tablado. Seguimos o som e ficamos encantados com um casal que bailava por toda a extensão da pista de dança. Era uma linda “Quadrilheira Junina” dançando com Bebeto Souza. No palco, um tributo a Aracaju. Cantando Cheiro da Terra estavam Zé Rozendo e Marluce, Josa, Rogério, Clemilda e Erivaldinho. Pense numa coisa boa! Olhei para Saulo Bispo e disse: eita forró bom do cabrunco. Ele respondeu: “De Onde Este Veio Tem Muito Mais”. 
Foi nesse forró que encontrei uma “Morena Tropicana” de traços marcantes como os de François Hoald, mulher da “pele macia, ai, carne de caju”  que ao tocar os meus lábios eu sentia o gosto da cajuína. “Que mistério é essa negra. Que fez o homem chorar. Pois homem não chora. Pois ela lhe fez lagrimar” . A tal “Morena Tropicana” nem seu nome falou e nem seu contato deixou.

  

Título: Morena Tropicana
Artista: François Hoald

Com olhos marejados e coração partido, montamos nos cavalos e seguimos em direção ao Bugio. Na praça do fim de linha, comendo castanha de caju e bebendo cerveja Uçá, estavam Róger Kbelera e Nogueira. Estavam debatendo a “Sergipanidade” a partir da obra de Zé Fernandes. Kbelera disse: “a sergipanidade ‘Somos Nós em Nós de Nós’ , um sentimento que nos une em rede”. Nogueira complementou: “mas ela precisa de uma liga, algo que nos representa e que nos une, algo que marque tipo uma nódoa de caju”. Veja um tabuleiro cheio de cajus se eles não são os “Noz Que Se Produz”. Chamei J. Inácio no canto e disse: “estou voando mais que as pombas de Zé Fernandes. É muita filosofia, com sociologia, antropologia e Uçá na cabeça. Vamos seguir nosso rumo?” Comemos umas castanhas de caju e partimos. 
 
Título: Sergipanidade
Artista: Zé Fernandes

 Caã havia convidado o pai para um jantar com outros artistas sergipanos. Xepeiro que sou, fui também. Lá estavam Leonardo Alencar proseando com Dionéa Patterson sobre a necessidade em repensar a arborização da cidade de Aracaju, a importância dos cajueiros espalhados pelos bairros e os cuidados com os nossos mangues. Como era um tema delicado ele utilizava a “Metáfora dos Arlequins” para transmitir as suas opiniões sem ser agressivo com os presentes. Comemos uma moqueca de caju com arroz de castanhas. Welligton ressaltou: “é como se estivéssemos comendo parte da identidade aracajuana”. Ana Denise explanou: “essa comida é um banquete dos sentidos”. Jorge Luiz Barros disse: “isso é algo que faz um verdadeiro ‘Aconchego’ em nossa alma”. Caã finalizou: “na verdade o que tivemos aqui hoje foi uma ‘Mistura Tropical’, Aracaju é formada pela soma de diferentes heranças culturais de pessoas que vieram dos municípios sergipanos. Somos Nordeste. Somos Brasil!”. 

 
Título: Mistura Tropical
Artista: Caã

Dificilmente entenderemos a nossa gastronomia, as nossas artes, a nossa literatura e os nossos símbolos identitários sem entender, respeitar, preservar e valorizar a história, a memória, o patrimônio cultural, a geografia e o patrimônio natural de Aracaju. Somos Cajuístas em terras onde os cajueiros perderam para uma cidade que nasceu para ser projetada e moderna. Somos Cajuístas para sensibilizar a população sobre a importância dos cajueiros, dos papagaios e do meio ambiente na manutenção da vida. Somos Cajuístas para demonstrar os nossos sentimentos de pertencimento, as nossas identidades culturais aracajuanas, a outras pessoas, sejam elas residentes, turistas ou filhos e filhas de Aracaju. Portanto, somos resistência, somos cajus em terras que derrubam os nossos cajueiros cotidianamente.