“Para quem mora em Laranjeiras, Lambe-sujos x Caboclinhos é o ano inteiro”. Quando o laranjeirense Glaudson Souza fez essa afirmação fui tentar entender o cotidiano dos residentes da capital brasileira das culturas populares.
Para que vocês entendam um pouco dessa minha relação com o referido município e as suas práticas culturais, fui professor de História, Sociedade e Cultura e Cultura Sergipana no Colégio Estadual Professora Zizinha Guimarães no ano 2000. Foi uma experiência incrível.
Naquele momento percebi o quanto os estudantes aguardavam o segundo domingo do mês de outubro e a euforia causada no primeiro dia de aula após a festa popular. Eles queriam dividir com os colegas tudo que havia acontecido durante o evento cultural.
Ali percebi que a resistência dos Lambe-sujos x Caboclinhos é a persistência cotidiana dos laranjeirenses pela sua sobrevivência. O embate faz parte das disputas diárias por melhores condições de vida.
A peleja rubro-negra faz parte do jogo da vida. A disputa do campeonato é feita no enfrentamento dos corpos, utilizando diferentes táticas para conquistar o troféu da liberdade.
Os quilombos representam o encontro, a sociabilidade e a resistência. Os quilombos são as histórias, as memórias, as simbologias e as representações sociais dos laranjeirenses. Os quilombos são lugares, as corporalidades e os territórios de existência desses grupos sociais.
Os Lambe-sujos x Caboclinhos estão nas pinturas, nas esculturas, nos bordados e nas diferentes narrativas orais, escritas e imagéticas presentes no município.
É possível encontrar as suas representações nos espaços de memória, nas tintas de um artista plástico, nos saberes e fazeres de uma artesã ou nas mãos que tocam um instrumento de percussão.
As músicas que marcam o percurso dessa festa popular estão em rodas de samba, eventos escolares, festas de aniversário ou em um encontro de amigos. Tudo acaba em Lambe-sujos x Caboclinhos.
Quando as músicas características dos Lambe-sujos x Caboclinhos tocam em qualquer espaço de Laranjeiras , algo acontece nas almas laranjeirenses. É sensitivo. Não tem quem fique parado.
É um chamado para a celebração da ruptura de uma estrutura social patriarcal, misógina e racista. É o respeito a rainha dos Caboclinhos e a mãe de todos os Lambe-sujos, a Mãe Suzana. O protagonismo, o respeito e a proteção a essas mulheres estão presentes nas mensagens dessa prática cultural popular.
É o encontro com a memória afetiva e o respeito ao alimento tradicional. Só quem já comeu uma feijoada com farinha, sem talheres, fazendo um bolinho de feijoada com molho de pimenta, saberá o que estou falando.
Na boca, a aguardente de cana, na pele, o mel de cabaú e o xadrez. Nos ouvidos, os sons da dominação da metrópole de um lado e a percussão libertadora de mãe África do outro. Na visão, os corpos que se movimentam e apresentam os paradoxos da vida. É um baile dos sentidos.
A fé dos laranjeirenses está presente na benção do pároco local, na sapiência do Pai Juá ou na força e no axé das mulheres pretas, representados pela Mãe Susana.
Em suma, Lambe-sujos x Caboclinhos são a alma dos laranjeirenses, um estado de espírito, uma forma de existência e resistência.
É um grito por liberdade. São quilombos cotidianos. É dizer não às imposições, vencer os obstáculos e quebrar as barreiras.
É sambar para se identificar, para unir e para continuar lutando por uma sociedade menos desigual.
Samba Caboclinhos e Caboclinhas! Samba Negros e Negras! Samba para demonstrar a força de indígenas e afro-brasileiros na nossa sociedade. Samba para acabar preconceitos e desigualdades!
Fotos: Denio Azevedo.